Instrução: As questões de números 11 a 15 tomam por base uma passagem do romance regionalista Vidas secas, de Graciliano Ramos (1892-1953).
Contas
Fabiano recebia na partilha a quarta parte dos bezerros
e a terça dos cabritos. Mas como não tinha roça e apenas se
limitava a semear na vazante uns punhados de feijão e milho,
comia da feira, desfazia-se dos animais, não chegava a ferrar
um bezerro ou assinar a orelha de um cabrito.
Se pudesse economizar durante alguns meses, levantaria
a cabeça. Forjara planos. Tolice, quem é do chão não se trepa.
Consumidos os legumes, roídas as espigas de milho, recorria
à gaveta do amo, cedia por preço baixo o produto das sortes.
Resmungava, rezingava, numa aflição, tentando espichar os
recursos minguados, engasgava-se, engolia em seco. Transigindo
com outro, não seria roubado tão descaradamente. Mas
receava ser expulso da fazenda. E rendia-se. Aceitava o cobre
e ouvia conselhos. Era bom pensar no futuro, criar juízo. Ficava
de boca aberta, vermelho, o pescoço inchando. De repende
estourava:
– Conversa. Dinheiro anda num cavalo e ninguém pode
viver sem comer. Quem é do chão não se trepa.
Pouco a pouco o ferro do proprietário queimava os bichos
de Fabiano. E quando não tinha mais nada para vender, o
sertanejo endividava-se. Ao chegar a partilha, estava encalacrado,
e na hora das contas davam-lhe uma ninharia.
Ora, daquela vez, como das outras, Fabiano ajustou o
gado, arrependeu-se, enfim deixou a transação meio apalavrada
e foi consultar a mulher. Sinha Vitória mandou os meninos
para o barreiro, sentou-se na cozinha, concentrou-se, distribuiu
no chão sementes de várias espécies, realizou somas
e diminuições. No dia seguinte Fabiano voltou à cidade, mas
ao fechar o negócio notou que as operações de Sinha Vitória,
como de costume, diferiam das do patrão. Reclamou e obteve
a explicação habitual: a diferença era proveniente de juros.
Não se conformou: devia haver engano. Ele era bruto, sim
senhor, via-se perfeitamente que era bruto, mas a mulher tinha
miolo. Com certeza havia um erro no papel do branco. Não
se descobriu o erro, e Fabiano perdeu os estribos. Passar a
vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão
beijada! Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca
arranjar carta de alforria!
O patrão zangou-se, repeliu a insolência, achou bom que
o vaqueiro fosse procurar serviço noutra fazenda.
Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou. Bem, bem.
Não era preciso barulho não. Se havia dito palavra à toa, pedia
desculpa. Era bruto, não fora ensinado. Atrevimento não
tinha, conhecia o seu lugar. Um cabra. Ia lá puxar questão
com gente rica? Bruto, sim senhor, mas sabia respeitar os
homens. Devia ser ignorância da mulher, provavelmente devia
ser ignorância da mulher. Até estranhara as contas dela.
Enfim, como não sabia ler (um bruto, sim senhor), acreditara
na sua velha. Mas pedia desculpa e jurava não cair noutra.
(Graciliano Ramos. Vidas secas. São Paulo:
Livraria Martins Editora, 1974.)
Identifique, entre os quatro exemplos extraídos do texto, aqueles que se apresentam em discurso indireto livre:
I. Fabiano recebia na partilha a quarta parte dos bezerros e a terça dos cabritos.
II. – Conversa. Dinheiro anda num cavalo e ninguém pode viver sem comer.
III. Estava direito aquilo? Trabalhar como negro e nunca arranjar carta de alforria!
IV. Não era preciso barulho não.