- O que havia de tão revolucionário na
- Revolução Francesa? Soberania popular,
- liberdade civil, igualdade perante a lei - as
- palavras hoje são ditas com tanta facilidade
- que somos incapazes de imaginar seu caráter
- explosivo em 1789. Para os franceses do
- Antigo Regime, os homens eram desiguais, e a
- desigualdade era uma boa coisa, adequada à
- ordem hierárquica que fora posta na natureza
- pela própria obra de Deus. A liberdade
- significava privilégio - isto é, literalmente, "lei
- privada", uma prerrogativa especial para fazer
- algo negado a outras pessoas. O rei, como
- fonte de toda a lei, distribuía privilégios, pois
- havia sido ungido como o agente de Deus na
- terra.
- Durante todo o século XVIII, os filósofos
- do Iluminismo questionaram esses
- pressupostos, e os panfletistas profissionais
- conseguiram empanar a aura sagrada da coroa.
- Contudo, a desmontagem do quadro mental
- do Antigo Regime demandou violência
- iconoclasta, destruidora do mundo,
- evolucionária.
- Seria ótimo se pudéssemos associar a
- Revolução exclusivamente à Declaração dos
- Direitos do Homem e do Cidadão, mas ela
- nasceu na violência e imprimiu seus princípios
- em um mundo violento. Os conquistadores da
- Bastilha não se limitaram a destruir um
- símbolo do despotismo real. Entre eles, 150
- foram mortos ou feridos no assalto à prisão e,
- quando os sobreviventes apanharam o
- diretor, cortaram sua cabeça e desfilaram-na
- por Paris na ponta de uma lança.
- Como podemos captar esses momentos de
- loucura, quando tudo parecia possível e o
- mundo se afigurava como uma tábula rasa,
- apagada por uma onda de comoção popular e
- pronta para ser redesenhada? Parece incrível
- que um povo inteiro fosse capaz de se
- levantar e transformar as condições da vida
- cotidiana. Duzentos anos de experiências com
- admiráveis mundos novos tornaram-nos
- céticos quanto ao planejamento social.
- Retrospectivamente, a Revolução pode
- parecer um prelúdio ao totalitarismo.
- Pode ser. Mas um excesso de visão
- histórica retrospectiva pode distorcer o
- panorama de 1789. Os revolucionários
- franceses não eram nossos contemporâneos.
- E eram um conjunto de pessoas não
- excepcionais em circunstâncias excepcionais.
- Quando as coisas se desintegraram, eles
- reagiram a uma necessidade imperiosa de
- dar-lhes sentido, ordenando a sociedade
- segundo novos princípios. Esses princípios
- ainda permanecem como uma denúncia da
- tirania e da injustiça. Afinal, em que estava
- empenhada a Revolução Francesa? Liberdade,
- gualdade, fraternidade.
Adaptado de: DARNTON, Robert. O beijo de Lamourette. In: O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo: Cia. das Letras, 2010. p. 30-39.
Considere as seguintes afirmações relacionadas a sentidos do terceiro parágrafo do texto.
- - O emprego da conjunção se e dos tempos e modos verbais na linha 25 sinalizam que a Revolução Francesa não pode ser exclusivamente associada à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
- - O emprego de não se limitaram (l. 30) expressa que os conquistadores destruíram um símbolo e fizeram algo além disso.
- - O emprego do nome próprio Paris (l. 35) localiza a sociedade sobre a qual incidem os novos princípios revolucionários.
Quais estão corretas?