01 Se, em um tempo futuro, muito distante, só 02 tivessem sobrado de nós vestígios e alguns deles 03 fossem encontrados, e entre esses, fotografias, 04 pensemos que um fato seria possível: por meio 05 delas, para os que as encontrariam, poderia se 06 operar uma revelação. As fotografias diriam 07 sobre quem fomos e como vivemos. Caso os 08 habitantes do futuro encontrassem, por acaso, 09 soterrado um arquivo de fotografias de guerra, 10 quem sabe deduziriam a ........ condição daquela 11 humanidade perdida e suspirariam de alívio pela 12 nossa ........ . Se, ao contrário, o que 13 encontrassem fossem álbuns de uma prosaica 14 família, apreciariam crianças fotografadas, ao 15 longo dos anos, sempre tão divertidas, cenas de 16 trivial alegria. 17 Por um lado, redução: há como superar a 18 finitude. Por outro, castigo: não se esquecerá 19 enquanto houver a fotografia. O que se lembra 20 diante do retrato de um anônimo fotografado no 21 séc. XIX? Há sempre um encanto imanente 22 nessas imagens do passado; são como pontos 23 que não se cruzam, como caminhos indicados 24 por setas que parecem levar a lugar nenhum. 25 Mas nos fazem desejar, pela expectativa do que 26 se pode ver do outro lado, cruzá-los. 27 Um postulado pode ser enunciado nos termos 28 de que, se está na imagem, existe; ou, tratando- 29 se de fotografia, se está na foto, existiu e pode 30 ou não ainda existir. Na esteira dessa lógica, 31 então, seria aceitável considerar que esquecer é 32 humano e lembrar é fotográfico. Se remontarmos 33 às nossas experiências, considerando o álbum de 34 família, seguramente a maioria de nós dará como 35 depoimento a surpresa do encontro com o 36 passado. A palavra encontro talvez seja um 37 superlativo do que realmente acontece, visto que 38 o máximo que a fotografia nos oferece é a 39 possibilidade de uma projeção do aproximar-se 40 com o que foi. Há uma tendência em 41 acreditarmos na foto, desde, é claro, que a 42 informação nela contida não ........ nossas 43 certezas projetadas em imagens mentais sobre o 44 passado. Uma personagem de Virginia Wolf 45 comenta: “Não possuímos as palavras. Elas estão 46 por trás dos olhos, não sobre os lábios”. E sem as 47 palavras, o que contariam as fotografias? Talvez 48 não possam contar, mas seguramente alguma 49 coisa do passado vem evocada nelas, como a 50 dúvida, ou no mínimo a nostalgia daquele fato 51 fragmentado em imagem, na referência a outra 52 pessoa em uma festa perdida na lembrança.
Adaptado de: MICHELON, F. F. Introdução. In: MICHELON, F. F.; TAVARES, F. S. (orgs.). Fotografia e memória. Pelotas, RS: EdUFPel, 2008. p. 7-15.
Em seu sentido global, o texto afirma que
as fotografias de crianças, festas, reuniões de família são sempre registros da prosaica felicidade de que se constitui o cotidiano.
as imagens do passado suscitam sentimentos de nostalgia ou dúvida, mas não permitem a construção de conhecimentos acerca desse passado.
as fotografias, embora não recontem o passado que registram, são indícios que permitem sua recordação.
as imagens mentais de cenas vividas no passado não podem ser refutadas por registros fotográficos.
a fotografia, ao contrário das palavras, reproduz fielmente a realidade e, como tal, é prova mais confiável de sua existência.
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