01 Em julho, na Nhecolândia, Pantanal de
02 Mato Grosso, encontrei um vaqueiro que
03 reunia em si, em qualidade e cor, quase tudo
04 o que ........ literatura empresta esparso aos
05 vaqueiros principais. Era tão de carne-e-osso,
06 que nele não poderia empessoar-se o cediço e
07 fácil da pequena lenda. Apenas um
08 profissional esportista: um técnico, amoroso
09 de sua oficina. Mas denso, presente, almado,
10 bom-condutor de sentimentos, crepitante de
11 calor humano, governador de si mesmo; e
12 inteligente. Essa pessoa, este homem, é o
13 vaqueiro José Mariano da Silva, meu amigo.
14 Começamos por uma conversa de três
15 horas, ........ luz de um lampião, na copa da
16 Fazenda Firme. Eu tinha precisão de aprender
17 mais, sobre a alma dos bois, e instigava-o a
18 fornecer-me fatos, casos. Enrolado no
19 poncho, as mãos plantadas definitivamente na
20 toalha da mesa, como as de um bicho em
21 vigia, ele procurava atender-me. Seu rosto, de
22 feitura franca, muito moreno, fino, tomava o
23 ar de seriedade, meio em excesso, de um
24 homem-de-ação posto em tarefa meditativa.
25 Contou-me muita coisa.
26 Falou do boi Carocongo. Do garrote
27 Guabiru que, quando chegava em casa, de
28 tardinha, berrava nove vezes, e só por isso
29 não o matavam, e porque tinha o berro mais
30 saudoso. Da vaquinha Burivi, que
31 acompanhava ao campo sua dona moça,
32 ........ colher as guaviras, ou para postar-se
33 ........ margem do poço, guardando o banho
34 dela, sem deixar vir perto nenhuma criatura.
35 Discorreu muito. Quando estacava, para
36 tomar fôlego ou recordação, fechava os olhos.
37 Prazia ver esse modo, em que eu o imaginava
38 tornado a sentir-se cavaleiro sozinho.
39 Ponderava, para me responder, truz e cruz,
40 no coloquial, misto de guasca e de mineiro.
41 O sono diminuía os olhos do meu amigo;
42 era tarde, para quem precisava de levantar-se
43 com trevas ainda na terra, com os chopins
44 cantantes. Nos despedimos. O céu estava
45 extenso. Longe, os carandás eram blocos
46 mais pretos, de um só contorno. As estrelas
47 rodeavam: estrelas grandes, próximas,
48 desengastadas. Um cavalo relinchou, rasgado
49 a distância, repetindo. Os grilos, mil, mil, se
50 telegrafavam: que o Pantanal não dorme, que
51 o Pantanal é enorme, que as estrelas vão
52 chover... José Mariano caminhava embora, no
53 andar bamboleado, cabeça baixa, ruminando
54 seu cansaço. Se abria e unia, com ele – vaca
55 negra – a noite, vaca.
Adaptado de: ROSA, Guimarães. Estas histórias. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. p. 93-103.
Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as afirmações abaixo, referentes às relações sintáticas e semânticas entre palavras e expressões do texto.
( ) O emprego de as (l. 20) tem função pronominal, uma vez que retoma mãos (l. 19).
( ) As palavras muita (l. 25) e muito (l. 35) assinalam que o narrador intensifica o fato de seu amigo, o vaqueiro, ser um contador de vários casos.
( ) As expressões do boi Carocongo (l. 26), Do garrote Guabiru (l. 26-27) e Da vaquinha Burivi (l. 30) complementam o sentido do verbo Falou (l. 26).
( ) As palavras mais (l. 29) e pretos (l. 46) modificam o sentido, respectivamente, de berro (l. 29) e carandás (l. 45). Por isso, são adjetivos.
A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é