Leia o seguinte fragmento, do romance Cidade de Deus, de Paulo Lins, publicado em 1997 e considerado um dos precursores na abordagem da violência das favelas cariocas a partir de dentro, isto é, por um autor que foi morador da periferia.
É que arrisco a prosa mesmo com balas atravessando os fonemas. É o verbo, aquele que é maior que o seu tamanho, que diz, faz e acontece. Aqui ele cambaleia baleado. Dito por bocas sem dentes e olhares cariados, nos conchavos de becos, nas decisões de morte. A areia move-se nos fundos dos mares. A ausência de sol escurece mesmo as matas. O líquido-morango do sorvete mela as mãos. A palavra nasce no pensamento, desprende-se dos lábios adquirindo alma nos ouvidos, e às vezes essa magia sonora não salta à boca porque é engolida a seco. Massacrada no estômago com arroz e feijão a quase palavra é defecada ao invés de falada. Falha a fala. Fala a bala.
Sobre esse fragmento, considere as afirmações que seguem.
I - A palavra sai de forma agressiva, “defecada ao invés de falada”, porque o narrador acaba concordando com a ideia de que não vale a pena escrever literatura sobre a realidade urbana periférica.
II - O narrador usa linguagem figurada (como as balas atravessando os fonemas ou os olhares cariados) para explicar que, mesmo vivendo em um lugar permeado de crimes e miséria, se arrisca a fazer literatura.
III - Ao mencionar que “Fala a bala”, o narrador dá a entender que a violência é a linguagem que a maioria dos moradores das favelas conhece.
Quais estão corretas?