Considere o texto abaixo, do escritor David Coimbra, publicado no jornal Zero Hora, em 22/12/2017
As redes sociais são a salvação das almas miseráveis
Quando acordo, ainda é noite. Faz frio, é inverno no norte do mundo. Quarenta graus Celsius e 8 mil quilômetros nos separam, amigos brasileiros. Olho pela porta de vidro da sacada e vejo a cidade imóvel. É diferente do meio da noite, em que a luz azul da TV ondula no fundo de todas as janelas. Agora, as pessoas não estão acordadas. Estão debaixo do calor de seus cobertores e ressonam. Então, me vem o pensamento confortador de que, naquele momento, ninguém está dando opinião sobre coisa alguma.
Estou tomando café e olhando para o horizonte azul-marinho e digo para mim mesmo que há milhares de pessoas naquelas casas e apartamentos que vejo e elas estão apenas existindo. Não estão se considerando certas, nem erradas, não estão acusando ninguém de nada, nem querendo coisa alguma. Isso é a paz.
Antes das redes sociais, só algumas pessoas públicas e jornalistas expunham sua tolice. A maioria se perfumava com o bálsamo do silêncio.
Talvez você já tenha conhecido essas mulheres belíssimas que pouco falam. Elas olham para as coisas do mundo e respiram e fazem gestos lânguidos e cruzam as pernas de vez em quando. Só. É o que basta para perturbar os homens. Porque há algo misterioso nelas, uma aragem de superioridade, de um ser que compreende a vida, que está acima das paixões mesquinhas e das ambições mundanas, que trata os pequenos mortais com benevolência por entender suas minúsculas, comezinhas, ridículas necessidades. São imperatrizes. São semideusas. Mas algumas delas, quando falam, põem tudo a perder. Você fica lamentando: por que ela tinha de dar sua opinião? Por quê? O mundo deixou de ter um pouco de magia, depois disso...
O silêncio, se não serve de feitiço também para os homens, esses seres inferiores, pelo menos faz com que não percam pontos. Tinha um colega que era um cara bonitão, as mulheres o viam e se encantavam. No entanto, assim que abria a boca, elas saíam correndo. Um dia, ele me perguntou o que devia fazer. Respondi que ele devia NÃO fazer.
– É fundamental que tu nunca mais tentes contar uma piada – aconselhei. – Nunca mais. Em nenhum ambiente. Com nenhuma pessoa. Nem pra ti mesmo, sozinho, tu deves contar piada.
Não estava sendo irônico; estava realmente tentando ajudar.
As redes sociais violaram o silêncio. Todo mundo dá a sua opinião. É uma democracia ensurdecedora. O povo se mostrou e o fez sem pudor. Antes, calado, o povo era reverenciado. Falava-se em "sabedoria popular". Agora, as pessoas contam quem são. E contam que são, mais do que tudo, ressentidas. É um vasto, incomensurável e, principalmente, poderoso recalque com a insignificância de sua própria vida. Toda essa frustração represada os torna grandes. Porque eles vão para a internet como crianças que descobrem o revólver escondido em cima do guarda-roupa dos pais e descarregam suas mágoas em cima do primeiro incauto e, assim, se aliviam. Eles não são ninguém, suas vidas passarão em branco debaixo do sol, mas ao menos conseguiram destruir algumas pessoas que achavam importantes. É uma realização.
Olho para a cidade que começa a despertar. Luzes se acendem aqui e ali. Decerto, muitos já estão com os dedos em seus celulares ou diante da tela do computador. Estão julgando, condenando, assacando, insultando, molestando. Estão sendo felizes. Que delícia. Que vitória. Que bem que a internet fez para as almas miseráveis.
Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/david-coimbra/noticia/2017/12/as-redes-sociais-sao-a-salvacao-das-almas-miseraveis-cjbh4klmx02dc01p9300hipz8.html> Acesso em: 15/03/2018
No texto de David Coimbra, é possível inferir o posicionamento do autor diante do uso das redes sociais na atualidade. Ele utiliza diferentes recursos para construir seus argumentos, além disso, garante que sua opinião seja exposta com precisão para que não restem dúvidas ao leitor sobre o que está sendo dito.
Além disso, como em qualquer leitura que realizamos, você também construiu a sua própria opinião sobre o que foi dito. Dessa forma, você pode ter concordado integralmente com o texto ou apenas parcialmente; pode ter discordado integralmente ou apenas parcialmente.
É assim mesmo que deve funcionar.
Você já ouviu falar nas “bolhas ideológicas” criadas nas redes sociais? Um algoritmo filtra o que é mostrado aos usuários, selecionando apenas informações que lhes interessem. A dúvida, portanto, é se esse algoritmo está nos nutrindo apenas com o que gostamos e criando essa “bolha” na qual não entra nada que desafie nosso modo de pensar ou se as redes sociais ainda podem ser consideradas espaços de debate democráticos em que conseguimos expor nossos pensamentos e ler sobre diferentes informações que nos façam criar um pensamento mais crítico.
PROPOSTA DE REDAÇÃO
Assim, a partir da leitura do texto de David Coimbra e das observações feitas acima, elabore um texto dissertativo que apresente o seu ponto de vista acerca das ideias do autor sobre as redes sociais. Em resumo, em seu texto você deve se posicionar a respeito das ideias do autor sobre as redes sociais: contestá-las parcial ou integralmente; aprová-las parcial ou integralmente.
Instruções:
A versão final do seu texto deve respeitar as observações abaixo:
- Conter um título na linha destinada a esse fim.
- Ter a extensão mínima de 30 linhas, excluído o título – aquém disso, seu texto não será avaliado –, e máxima de 50 linhas. Segmentos emendados, ou rasurados, ou repetidos, ou linhas em branco terão esses espaços descontados do cômputo total de linhas.
- Ser escrita, na folha definitiva, com caneta e em letra legível, de tamanho regular.
Comentário: E aí galera do Me Salva!, tudo bem? Como todos sabem o tema da UFRGS de 2018 foi bem diferente do que estamos acostumados. Não havia um questionamento explícito sobre o que o tema tratava e vários estudantes encontraram muitas dificuldades na hora de expor a sua opinião. Procure sempre ver qual a ideia central do texto quando as coisas “não seguirem o padrão”, assim fica mais fácil saber como se posicionar e que caminho seguir. Lembre-se de que o texto, assim como você, é único no mundo, não há o que temer na hora de expor as suas ideias. O texto do David Coimbra é um texto que deve ser lido com bastante atenção, já que através de histórias e vários exemplos ele disserta sobre as redes sociais e a forma como nos manifestamos hoje. A maneira como ele introduz essa questão e a “falta de silêncio” que há hoje em dia é muito interessante, por isso é fundamental que o aluno interprete de uma maneira mais profunda esse assunto. Procure, obviamente, se posicionar muito bem a respeito de concordar/discordar parcialmente/integralmente e, além disso, achamos que seria legal você questionar as tais “bolhas ideológicas” que são criadas, além de se manifestar sobre esses novos espaços de debate democráticos que as redes sociais nos proporcionam.